Não tive uma infância com foco na questão racial.
Lembro de poucas abordagens sobre o assunto na minha casa, na minha infância ou adolescência. Lembro do meu
pai, um dia muito nervoso por que não estava dando atenção aos estudos e só
querer brincar com as minhas amigas, falar: “se em uma entrevista de emprego
você e suas amigas estiverem competindo a mesma vaga, sabe quem vai ser
contratada? Elas e não você”, só fui entender o que ele quis dizer na vida
adulta e das maneiras mais cruéis e veladas que o racismo pode se apresentar.
Então pequena, sofri com o racismo sem saber o que significava tudo aquilo, sem saber que “racismo” era o nome. Muito menos tinha a noção que teria uma missão muito importante - ensinar minha filha a lidar com o que chamam de “mimimi”, “vitimismo” e acima de tudo, ensiná-la ter orgulho do tom da sua pele, da textura do seu cabelo, ter jogo de cintura, "técnicas de defesa" quando ele (o racismo), a atingisse. Porque infelizmente, por melhores pais que eu e o preto somos ou tentamos ser, não temos o poder de protegê-la de ser atingida pelo danado. Mas habilidade de deixá-la forte para absorver os impactos causados pelo racismo, nós temos, o que não deixa de ser uma forma de proteção.
Perdi o chão, me senti impotente, entrei no banheiro e
chorei de soluçar (sem que a Mimi visse) em um dia que ela chegou da escola e falou:
Mimi: “mãe, eu não tive um bom dia hoje”
Eu: “Por quê? O que aconteceu? – ela estava com semblante muito
triste, ameaçando a chorar, mas relutante em contar, parecia um misto de
insegurança, vergonha e tristeza.
Bora contextualizar antes, né?
Ela tinha entrado nessa escola recentemente, há 1 mês e meio.
Empolgada para o 1º dia de aula, ela quis trançar o cabelo e nós fizemos acontecer.
Depois de 1 mês e meio, chegou o momento de tirar as tranças, já que o cabelo dela
tinha crescido e ela foi pra escola com o tradicional e mais conhecido “black”
dela.
Mimi: “me chamaram de feia, questionaram o porque
eu não prendia o cabelo, riram de mim, tentaram mexer no meu cabelo, foi
horrível”
Imaginem só minha expressão? A expressão do preto? Tudo que
tínhamos construído até então - o quanto ser preto como um todo é especial, bonito,
único, tão dela, tão nosso – naquele momento TUDO estava sendo questionado por
ela.
Respiramos fundo e começamos uma conversa muito clara e
sincera com ela. Contamos sobre nossos episódios de racismo. A levamos em
frente ao espelho pra ela se ver. Lembramos ela que até mesmo o black dela (que
riram) foi inspiração pra eu deixar o alongamento e passar a usar como ela.
E no dia seguinte, antes de sair de casa pra ir pra escola,
fomos para o espelho novamente. Mimi estava incrivelmente linda, de turbante,
pedimos que ela escolhesse como ela queria que o turbante fosse colocado,
deixamos exatamente como ela queria. E perguntei:
Eu: “Gosta do que vê no espelho? Está se sentindo linda?”
Mimi: “eu estou mãe”
Eu: “Então, se alguém falar qualquer coisa que te
magoe sobre seu cabelo, sua cor, você lembra exatamente do que está vendo. Não
importa o que os outros acham do seu cabelo ou da sua cor, importa é o que VOCÊ
acha. Combinado?”
Mimi: “combinado, mãe”
Acho que funcionou, porque vira e mexe escutamos ela debater com as amigas, que...
"Eu não sou morena, sou preta"...
"Não gosto da Ivy do BBB, porque ela é racista"...
"Não entendo porque algumas pretas alisam o cabelo. É tão bonito cabelo crespo"
E nessa semana, ela muito empolgada com o resultado da reforma no quarto dela, quis gravar alguns vídeos no TikTok. E quando fomos dar aquela prestigiada, olha só um dos vídeos que ela gravou.
Q-U-E orgulho dela e dos resultados do nosso trabalho realizado até aqui.
TikTok dela: @mimi131217
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----10 anos de blog? U-A-U!! Já fui tentante, já estive gravidinha e hoje mamãe da Emily que já está com seus 9 anos.
--Já fomos Mamãe de Primeira Viagem 2010, já fomos Dona Mocinha. E hoje somos o que VOCÊ preferir.
--Seja bem vindx ao nosso mundo de muitos aprendizados e fique à vontade para comentar.