São Paulo, 29.05.2020 às 15h57
Júlia (amiga da Emily): “Mimi, se você pudesse, o que você mudaria em você?”
Mimi: “o que eu mudaria em mim?” – silêncio por alguns segundos. 😮
Preto chega
perto da porta do banheiro, onde elas estão dialogando durante o banho, eu tiro
o fone do ouvido e saio do meu mundo musical para descobrirmos juntos o que ela
mudaria nela.
Por mais que
ressaltamos todos os dias o quanto ela é linda, a beleza da cor da pele dela,
da textura do seu cabelo. Nesse momento, foi inevitável, nos sentimos quase que
em um dia de prova – “Será que tivemos sucesso na arte de ensinar valores que
nada tem a ver com dinheiro?”, "Será que conseguimos passar tudo de uma forma que
ela entenda, sinta e tenha como uma verdade, uma realidade dela?"
Mimi: “Em mim eu não mudaria nada! Na verdade,
eu queria mudar algumas coisas que já aconteceram.”
Júlia: “Como o que por exemplo?”
Mimi: “Eu queria que minha mãe não
tivesse passado por tudo que ela passou quando eu nasci. Eu queria que meu pai pudesse
me assistir nascendo. Queria ter uma irmã, essas coisas...”
Nem consigo
descrever a minha expressão e a do preto, o que senti. Foi um misto de vontade
de chorar, orgulho, lamentar por não poder mudar o passado.
Nesses
momentos eu me orgulho de mim mesma pela decisão tomada no momento mais crítico
da 2ª cirurgia, ficar VIVA.
E claro, passou
um filme na minha cabeça...🎬
16.12.2010
Emily: 3 dias de vida
Localização: Andar da Maternidade
Alimentação: Sólida. Equipe nutricional comete o erro e manda junto com a
refeição, um iogurte para o meu leito. "Mas iogurte para uma recém operada de intestino?" Pois bem,
eu tomei e em questão de minutos comecei a sentir um incômodo, sensações ruins, mal estar.
17.12.2010
Emily: 4 dias de vida
Localização: Andar da Maternidade
3h00 (madrugada): Preto me ajuda a ir ao banheiro e quando estou sentada
no vaso, escuto um barulho dentro de mim, como se fosse uma bexiga d’água
estourando. Eu não sabia, mas iniciava ali uma infecção generalizada, que só seria
confirmada às 17h. Entre às 03h e até o momento da cirurgia, nem consigo
descrever a dor que eu sentia, era uma dor constante, não aliviava em nenhum
segundo, eu chorava de dor, não podia me movimentar de maneira alguma, nem mesmo milímetros e passei a acreditar que aquilo era a morte.
17h: Médicos entram no quarto, pede minha transferência urgente de maca, o centro cirúrgico me aguardava pra uma cirurgia de extrema emergência.
O preto ajuda os enfermeiros, eu berro de dor, escuto o preto chorar na cabeça
da cama e peço um minuto pra todos, queria me despedir do preto, da minha mãe, de todos ali e
pedir que o preto cuidasse da nossa pequena como sonhamos juntos e à minha mãe
que o ajudasse em tudo.
Cirurgia: o alívio, a paz, o conforto, surgem quando me aplicam a anestesia geral e paro de sentir aquelas dores
insuportáveis. Ufa! E tenho o poder/a oportunidade de decidir, entre lutar ou não lutar e morrer - que palavra forte, mas naquele momento, era o momento de paz e fim de todo e qualquer sofrimento.. É como estar em uma estrada, à poucos metros da última saída e ser preciso tomar a decisão de bate pronto: seguir em frente, deixar passar a última saída e sentir aquela paz, tranquilidade dali em diante, acabar com todo aquele sofrimento,
dores ou entrar na última saída e voltar ao mundo real, com muita luta e se manter viva?
É muito claro,
nítido e inesquecível esse momento. Afinal, decisões como essa: viver ou
morrer, não é algo recorrente, né?
Confesso que
pensei muito em seguir e perder a última saída da estrada, mas em contrapartida milhões de pensamentos como: não ver, não acompanhar o
crescimento da pequena, o sofrimento da família com a minha morte e a não
compreensão do quanto seguir era algo bom pra mim, seguir tinha paz, seguir eu
não sofreria mais. Mas ver a pequena crescer, cuidar dela, estar perto do preto, de todos que amo me fez decidir ficar.
Fim da Cirurgia: os médicos saem do centro cirúrgico e falam para minha
família (preto, mãe, sogra e sogro) “Não foi uma cirurgia fácil, ela
instabilizou muito na mesa, quase teve 2 ou 3 paradas cardiorrespiratórias. Fizemos
de tudo para conter a infecção generalizada, a lavamos com 20 litros de soro e
colocamos uma bolsa de ileostomia por proteção. Tudo que podíamos fazer
cirurgicamente falando foi feito. Agora precisamos torcer para os efeitos dos
antibióticos. As próximas 72h serão cruciais.”
Volto, abro
os olhos, o Preto está de cabeça baixa, olhando para o chão e com os cotovelos
apoiados nos joelhos e primeira coisa que penso é “estou viva”. Como me colocaram uma máscara de CPAP (tampa toda a boca) não consigo falar, mas começo a balançar
os pés, só queria avisar “ei, estou viva bebê”, rs.
Quando me
contaram o que os médicos falaram pós cirurgia, sabia muito bem o que aconteceu nos momentos
que quase tive as paradas cardiorrespiratórias, estava decidindo
o rumo da minha vida - L-I-T-E-R-A-L-M-E-N-T-E.
Por isso que escutar a Mimi falar o que ela mudaria na vida e não nela em si, além de mostrar que estamos no caminho certo, é também um dos inúmeros motivos e momentos maravilhosos que eu me orgulho demais pela decisão tomada, ficar VIVA. Foi sem dúvida uma das melhores escolhas.
1 Comentários
Muito emocionante até chorei amo vcs
ResponderExcluir----10 anos de blog? U-A-U!! Já fui tentante, já estive gravidinha e hoje mamãe da Emily que já está com seus 9 anos.
--Já fomos Mamãe de Primeira Viagem 2010, já fomos Dona Mocinha. E hoje somos o que VOCÊ preferir.
--Seja bem vindx ao nosso mundo de muitos aprendizados e fique à vontade para comentar.